O recente desentendimento entre a atriz Bella Campos e o ator Cauã Reymond durante as gravações da novela Vale Tudo, da TV Globo, escancarou algo que vai muito além dos bastidores de uma produção: a dificuldade e muitas vezes o medo que mulheres enfrentam para se posicionar em ambientes profissionais tóxicos. O receio de retaliação, o julgamento público e o risco de serem taxadas como “difíceis de lidar” ainda pesa mais do que a própria verdade. E esse silêncio forçado, muitas vezes, custa caro.
Para a especialista em oratória e comunicação estratégica voltada para mulheres, Micarla Lins, a raiz do problema está no condicionamento que historicamente silencia a fala feminina, principalmente em espaços hierarquizados e masculinos. “Quando uma mulher decide se posicionar, ela rompe um pacto silencioso. E esse rompimento incomoda. Ainda há uma estrutura que prefere o silêncio à força de uma fala firme e consciente”, explica.
Segundo uma pesquisa da consultoria Think Eva, realizada com o Instituto Patrícia Galvão, 76% das mulheres brasileiras já sofreram algum tipo de violência ou assédio no ambiente de trabalho. Mas, mesmo fora dos episódios mais explícitos, o ambiente profissional pode ser minado por comentários sutis, desprezos silenciosos e práticas que silenciam de forma velada. O resultado é que muitas mulheres aprendem, ainda muito cedo, a não causar “conflitos” e a não “exagerar na reação”. E isso inclui engolir sapos, rir de piadas desconfortáveis e relevar atitudes que, no fundo, ferem.
“Por isso, ensinar mulheres a se comunicarem de forma estratégica não é só uma habilidade profissional. É uma ferramenta de resistência. A comunicação é uma armadura invisível. Quando usada de forma consciente, ela protege, impõe respeito e abre caminhos”, afirma Micarla.
Para a especialista saber se posicionar é essencial em momentos difíceis. O risco de se tornar invisível é constante para quem escolhe se calar para evitar conflitos. No entanto, essa estratégia pode resultar em um controle da narrativa por terceiros. Micarla reforça que ter uma comunicação assertiva não significa ser agressiva. “Ser assertiva é saber se posicionar de forma firme e clara, sem ser passiva e sem recorrer à agressividade. É encontrar o equilíbrio entre se expressar de maneira firme e respeitosa, sem perder a confiança em si mesma.”
Apesar do medo de retaliação, existem formas de se posicionar com segurança. No entanto, a especialista em oratória ressalta que nem sempre o confronto direto é a melhor escolha, especialmente em contextos hostis. Ela orienta que o primeiro passo é mapear aliados, colegas de confiança, canais institucionais, consultorias externas e construir uma base sólida. “Documentar o que acontece, reunir provas e buscar apoio seguro também é comunicação. Não é omissão, é estratégia.”
Para ela, o caso de Bella Campos mostra como, mesmo com visibilidade e protagonismo, a mulher ainda se vê pressionada a silenciar para não parecer problemática. “Se até uma atriz em ascensão sente essa pressão, imagine uma mulher comum, sem mídia, sem rede de apoio. É por isso que eu repito: a nossa voz precisa ser treinada não apenas para discursos públicos, mas para sobreviver ao cotidiano”, diz.
Além disso, a especialista destaca a importância de desenvolver uma postura que combine presença, clareza e estratégia. “Uma mulher bem posicionada não precisa levantar a voz para ser respeitada. Ela aprende a usar o tom certo, no momento certo, com as palavras certas. Isso não apaga o machismo do outro, mas impede que ele a desestabilize. E, por si só, isso já é um ato de resistência”, finaliza Micarla.