Contrariando protocolos médicos tradicionais, que limitam a prática de esporte e atividades física no caso de pessoas com cardiopatias congênitas, uma pesquisa feita com pacientes do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) mostra que se exercitar é seguro e proporciona resultados benéficos à saúde, como melhoria na capacidade física, na composição corporal e no aumento do fluxo sanguíneo muscular. Estes parâmetros refletem na qualidade de vida dos pacientes e em sua autonomia para realização de tarefas do dia a dia.
A pesquisa é de autoria de Daniela Regina Agostinho, especialista em Reabilitação Cardíaca e profissional de Educação Física. Em seu estudo, foram recrutados 42 pacientes com cardiopatia congênita, isto é, alguma malformação na estrutura ou na função do coração adquirida durante o desenvolvimento fetal.
Eles foram divididos em dois grupos: um (o grupo GT) que cumpriu o programa de exercícios físicos domiciliares propostos pela pesquisa, e um grupo controle (o GC), que recebeu orientações para manter suas atividades diárias sem participar de programas de treinamento físico.
O programa era composto de sessões de aulas gravadas, disponibilizadas em plataformas de vídeo. No total, foram 12 aulas, com duração de 40 a 45 minutos cada, realizadas quatro vezes por semana, totalizando 160 minutos de exercício ao longo de 12 semanas. As atividades eram progressivas, começando com exercícios de intensidade leve, no primeiro mês; moderada, no segundo mês; e de moderada a intensa, no terceiro mês. Incluíam atividades aeróbicas, como polichinelos, corrida estacionária, elevação de joelhos e deslocamento lateral. Os exercícios de resistência muscular usavam o peso corporal, no primeiro mês, e bandas elásticas para trabalhar membros superiores e inferiores, nos dois meses seguintes.
A pesquisadora lembra que os pacientes receberam orientações sobre sinais de alerta durante os exercícios, além de dicas sobre hidratação e alimentação. Monitores de frequência cardíaca e planilhas de controle também foram fornecidos, e a cada duas semanas a pesquisadora entrava em contato com os pacientes para acompanhar o progresso e identificar possíveis sinais ou sintomas.
Antes e após a adesão ao programa de atividade física, todos os participantes passaram por testes e avaliações de saúde e bem-estar. Os exames incluíram testes cardiopulmonares de esforço para avaliar as condições dos sistemas cardiovascular, respiratório e muscular, com medição da frequência cardíaca, pressão arterial, consumo de oxigênio, produção de dióxido de carbono, frequência respiratória e ventilação pulmonar. Foram feitas análises de composição corporal, avaliando massa muscular, água, gordura corporal, taxa metabólica basal (necessidade calórica diária) e Índice de Massa Corporal (IMC), calculado com base no peso e altura. Também foi medido o fluxo muscular do antebraço para verificar o fornecimento de sangue e oxigênio aos músculos da região e aplicado um protocolo de controle neurovascular para examinar a função de nervos e vasos sanguíneos.
Em relação ao bem-estar e à saúde mental, foram aplicados testes de avaliação de estresse mental e questionários que abordaram aspectos como capacidade funcional, dor, saúde geral, vitalidade, questões sociais e emocionais, saúde mental e uma comparação entre o estado de saúde atual e o do ano anterior. Por fim, também foi avaliado o nível de atividade física semanal dos participantes em diferentes contextos, incluindo trabalho, transporte, tarefas domésticas, lazer e o tempo gasto em atividades sedentárias.
No grupo GT, composto de pacientes que seguiram o programa de exercícios domiciliares, nos dados dos exames coletados pós intervenção, foi observada melhora na capacidade física, expressa através do aumento dos valores de consumo de oxigênio, da ventilação pulmonar e da frequência cardíaca. No grupo controle, ou seja, com os pacientes que mantiveram sua rotina sem se exercitar, não houve alterações comparáveis entre os períodos pré e pós-intervenção.
Segundo Daniela, o ganho de capacidade física após a realização de exercícios físicos refere-se à melhoria das funções do coração (sistema cardiovascular), dos pulmões (sistema respiratório) e da periferia (sistema muscular). “Esses ganhos são essenciais para a saúde geral e o bem-estar, pois o coração se torna mais eficiente em bombear o sangue, o que melhora a circulação sanguínea e a entrega de oxigênio aos tecidos do corpo”, afirma. E no caso dos pulmões, eles conseguem captar mais oxigênio e eliminar mais dióxido de carbono. O corpo se torna mais eficiente em usar o oxigênio disponível, o que melhora o desempenho físico e reduz a sensação de fadiga.
Os pacientes do grupo GT também apresentaram melhora na composição corporal, com redução na porcentagem de gordura corporal e no peso de gordura em quilos. Além disso, houve aumento nos níveis de massa magra e na taxa metabólica basal, que representa a quantidade mínima de energia necessária para o corpo realizar funções vitais, como respiração, circulação sanguínea, controle de temperatura e digestão.
Antes do início do programa de atividade física domiciliar, os pacientes dos dois grupos não apresentaram diferenças significativas em relação à qualidade de vida, no entanto, no momento “pós-intervenção”, os voluntários do grupo GT tiveram melhora para os parâmetros de capacidade funcional, aspectos sociais e vitalidade.
Para o grupo GT, também houve diferença significativa do fluxo muscular sanguíneo do antebraço e da condutância vascular do antebraço, demonstrando uma melhora na vasodilatação desses pacientes, corroborando com os resultados de melhora dos sistemas cardiovascular e periférico.
Por fim, a pesquisa fez uma subanálise por gêneros, “visto que durante as análises preliminares, havia uma ‘impressão’ que os homens estavam melhorando muito em comparação às mulheres, quando realizavam os exames após o treinamento físico, e isso se confirmou quando foram realizadas as análises entre os gêneros”, explica a pesquisadora. Foram observadas melhoras significativas no grupo do sexo masculino após o treinamento físico domiciliar para composição corporal, consumo de oxigênio, ou seja na capacidade física e para LDL colesterol.
Por fim, Daniela avalia que sua pesquisa contribui para reforçar que os exercícios físicos domiciliares para adultos portadores de cardiopatias congênitas são efetivos e seguros para essa população, e que devem ser indicados para aqueles pacientes que apresentam um baixo risco cardiovascular, ou seja, que estejam estáveis do ponto de vista da doença congênita. Vale ressaltar que para essa população o exercício físico é uma importante ferramenta de melhora de capacidade física e qualidade de vida, o que leva a uma melhora da saúde cardiovascular e saúde metal.
Os resultados desta pesquisa fazem parte da tese Efeito do treinamento físico na capacidade funcional, perfil metabólico, composição corporal e qualidade de vida em pacientes portadores de cardiopatias congênitas, de autoria de Daniela Regina Agostinho, orientada pelo professor Marcelo Biscegli Janete, da Faculdade de Medicina da USP.