A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou ontem (12), em votação simbólica, o projeto de lei que estabelece a proibição do uso de celulares por estudantes nas escolas públicas e privadas do Estado. A medida, que aguarda a sanção do governador Tarcísio de Freitas, deve entrar em vigor a partir do próximo ano letivo, suscitando um amplo debate sobre seus impactos na dinâmica escolar e no bem-estar dos alunos.
O uso de celulares em sala de aula é tema de discussões frequentes entre educadores e especialistas em pedagogia, especialmente em um cenário onde, de acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) de 2022, 80% dos estudantes brasileiros de 15 anos relatam se distrair com o uso dos dispositivos durante as aulas. A recente pesquisa do Datafolha reforça essa preocupação ao revelar que 62% da população apoia a proibição, enquanto 43% dos pais de crianças de até 12 anos afirmam que seus filhos já possuem celulares próprios.
Segundo a pedagoga e diretora de educação das unidades do ABCDM e Litoral do Colégio Adventista, Marizane Piergentile, essa proibição traz diversos desafios tanto para alunos quanto para educadores. “Para uma geração que cresceu cercada por telas e que vê o celular como uma extensão de si mesma, a proibição do uso de celulares na escola pode desencadear uma espécie de ‘abstinência digital’ que afeta tanto o bem-estar emocional quanto o físico dos alunos. Muitos jovens hoje nunca conheceram um mundo sem acesso instantâneo à informação, redes sociais e entretenimento na palma de suas mãos, e essa mudança abrupta de cenário pode provocar diferentes tipos de desconforto e desafios”, ressalta.
Especialistas alertam para os possíveis efeitos emocionais dessa transição, como ansiedade e irritabilidade, principalmente entre estudantes acostumados a verificar notificações constantemente. A ausência do dispositivo pode criar uma sensação de estar desconectado de eventos importantes, fenômeno conhecido como FOMO, (Fear of Missing Out, ou “medo de ficar de fora”).
Marizane também destaca que os impactos podem se manifestar de forma física. “A abstinência do uso do celular pode levar alguns jovens a sentir sintomas como as chamadas ‘dores fantasmas’, quando acreditam que o celular vibrou ou está em suas mãos, mesmo não estando. Essa reação é comparável à de pessoas acostumadas com hábitos repetitivos e que de repente se veem privadas deles”, observa a pedagoga.
O desafio também se estende aos próprios educadores, que precisam se adaptar a essa nova realidade. “O professor também vai precisar mudar. Ele também vive a dependência e vai lidar com alunos que estão em abstinência e tédio, que possivelmente serão mais questionadores e atentos”, pontua Marizane. Essa adaptação pode exigir um olhar mais atento e uma abordagem que fomente o envolvimento dos alunos em atividades sem a mediação de telas.
Por outro lado, a proibição pode ter seus benefícios. Marizane acredita que, com apoio da escola, a ausência dos celulares pode levar os estudantes a desenvolverem habilidades de adaptação, resiliência e socialização mais efetiva. “O tempo longe das telas também pode incentivá-los a se envolverem mais nas atividades escolares, a explorarem novos interesses e a desenvolverem suas habilidades sociais. Essa experiência pode ser uma chance de crescimento, onde eles redescobrem o valor da interação direta e aprendam a gerenciar o tédio e a ansiedade sem a ajuda de dispositivos digitais”, afirma.
Com apoio da escola e dos professores, essa experiência de abstinência digital pode ajudar os alunos a desenvolverem uma relação mais equilibrada com a tecnologia. A proibição pode levá-los a perceber que o celular é uma ferramenta útil, mas que a dependência excessiva limita suas habilidades e experiências no mundo real. “Aprender a lidar com a falta do celular pode abrir a mente dos alunos para a importância de um uso consciente e responsável da tecnologia, preparando-os para uma vida mais equilibrada”, conclui Marizane Piergentile.
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