O novo comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Ronaldo Miguel Vieira, 51, nomeado pelo governador Rodrigo Garcia (PSDB), disse que não permitirá manifestações políticas de policiais militares da ativa, usando símbolos oficiais, e usará as diretrizes da corporação para coibi-las.
Aprovadas no ano passado, essas diretrizes preveem que o PM da ativa pode responder nas esferas cível, penal e penal militar e, ainda, na parte administrativa, se usar as redes para manifestações políticas. Na esfera administrativa, as punições podem ir de advertência até a expulsão, dependendo da gravidade do ocorrido. "Eu posso ter minha opinião [política], mas fora do quartel".
No ano passado, o coronel Aleksander Lacerda foi retirado do comando da região de Sorocaba após ter publicado nas redes sociais críticas ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao então governador João Doria (PSDB), além de ter convocado os seguidores para o ato bolsonarista do Sete de Setembro, em São Paulo. O policial é alvo de investigação interna e poderá ser punido.
A PM paulista tem cerca de 83 mil homens e mulheres, incluindo o efetivo do Corpo de Bombeiros.
Em entrevista à Folha, Vieira estava vestido com o uniforme operacional (B1), o mesmo usado pelos patrulheiros que saem às ruas para combater o crime. Segundo ele, medidas serão tomadas para aumentar o efetivo nas ruas e, principalmente, combate os criminosos que se passam por falsos entregadores e, ainda, as gangues de bicicletas que furtam celulares.
O coronel disse ainda que não recebeu nenhum pedido do governador para fazer mudanças no programa de câmeras corporais, o Olho Vivo.Também chamado de grava-tudo, porque o sistema registra todo o turno de trabalho do policial e virou alvo de críticas de candidatos ao governo paulista, como fez nessa segunda (2) ex-governador Márcio França (PSB).
Vieira disse que esse programa será expandido, conforme já havia sido planejado, e não haverá mudanças, principalmente na forma de gravação. "Não haverá retrocessos."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
O senhor tem uma tropa que grande parte é bolsonarista. O que o senhor vai fazer para segurá-la neste ano eleitoral e não passar a imagem de vinculação da PM com esse candidato?
A Polícia Militar é uma polícia de Estado. Estamos em um Estado democrático de Direito, nós temos que respeitar a opinião de todas as pessoas e as preferências políticas. Só que política é fora de quartel. Ponto.
Isso quer dizer que o senhor não vai admitir manifestações políticas de policiais da ativa?
Usando a farda, usando o quartel, usando a estrutura policial militar, não. A gente tem até uma diretriz da parte de mídias sociais que vai ser mantida, com certeza vai ser mantida, já pensando nisso. Eu, Ronaldo, posso até ter uma opinião, mas como policial militar, comandante-geral, eu não tenho opinião. Eu sou policial militar. Sou de uma polícia que está preocupada em combater a criminalidade, de ser uma polícia cidadã, estar próxima da comunidade. A parte política, a gente está num Estado democrático de Direito, com certeza tem que respeitar a opinião das pessoas. Mas a Polícia Militar é polícia de Estado.
Vai parecer provocação, mas em quem o senhor vai votar?
Está indefinido ainda [meu voto]. [risos]
O senhor tem ideia de quantos candidatos a PM deve ter neste ano?
Ainda não temos esse número por conta do prazo [para pedir o afastamento, em 1º julho], mas acredito que vai ser mais ou menos o que foi nas eleições passadas, talvez um pouquinho mais.
O senhor está tendo muitos problemas com manifestações políticas nos quartéis?
Por enquanto, não, mas a gente está sempre monitorando. A gente está conversando com os comandantes, vai ser repassado isso: ‘política fora dos quartéis’. Respeitando a opinião individual de cada um, se vai votar em A ou B. Eu posso ter minha opinião, fora do quartel.
O programa Olho Vivo, das câmeras, também virou pauta política. Vai ter mudanças?
O programa vem desde 2014 e vem sendo estruturado há vários anos pela Polícia Militar. Está no nosso Plano Plurianual, para ter uma continuidade. Eu tenho conversado com os meus oficiais e o programa continua. Nós vamos expandir mais ainda.
Continua da forma como vem sendo feito até agora?
Sim, exatamente. Mas aberto, com certeza, para análises, se vamos aumentar, o que pode fazer. Com certeza, o plano continua. São grandes avanços, inclusive, para a segurança do policial. O programa não é só a COP (câmeras corporais), tem todo um contexto que tem a parte de mitigação, a parte de correição, que vem forte, do apoio psicológico do policial. A COP é uma ferramenta que o policial tem para ele estar protegido.
Dentro da tropa há algum tipo de resistência quanto ao uso do equipamento? Porque os políticos devem estar buscando essa informação de algum lugar.
Toda mudança, até a gente operacionalizar, sempre tem algum tipo de resistência. O principal são as ações que são feitas para complementar e operacionalizar. O comprometimento dos oficiais, a parte das instruções, a conversa com a tropa. As instruções são para conscientizar de que ele vai ter de se aprimorar sempre. Todo sistema tem o período de adaptação.
Há, então, um estranhamento da tropa com relação ao equipamento, mas as instruções irão ajudar a esclarecer os policiais da importância do programa. É isso?
Sim, com certeza.
O senhor percebeu em algum lugar a tropa cruzando os braços com medo de trabalhar por conta das câmeras? Como chegaram a insinuar.
Não. Até ontem estava comandando o Choque, que inclui a Rota. Teve um período de adaptação, só que, com relação às abordagens, que é o carro-chefe do policiamento de tático, de choque e da Rota, continua com bons indicadores, assim como a parte de prender procurados, de prisões em flagrante
O governador pediu ao senhor alguma coisa com relação às câmeras? Porque chegou um momento que ele mesmo estava ensaiando críticas.
Não fez nenhum pedido. Ele me convidou para o comando e me deu total liberdade para montar minha equipe e me pediu para trabalhar bastante.
Para deixar claro, então. O programa Olho Vivo continua nos moldes atuais?
Sim, mas como todo e qualquer programa que a gente tem, a gente vai analisar e fazendo adequações com o passar do tempo. Mas olha os benefícios que já está trazendo. A menor quantidade de policiais militares mortos em 30 anos. A parte da letalidade diminuiu bastante. Esse é um programa que está colhendo bons frutos, mas sempre estaremos abertos tanto para expandir quanto para analisar também.
Essa análise passa pela redução de tempo de gravação ou algo do tipo?
Isso nunca. Não haverá retrocessos.
O senhor estar vestido com um uniforme operacional (B1) também é recado de que o senhor planeja ações mais efetivas de combate à criminalidade?
A grande palavra é a continuidade. Porque já era uma marca do coronel Alencar [ex-comandante]. Nosso grande desafio é percepção de segurança. Nós vamos intensificar mais ainda o policiamento para a gente trabalhar na parte de percepção. Porque os indicadores de violência, se compararmos com 2019 (antes da pandemia), são favoráveis. Se comparar com ano passado, com ano de pandemia, nós tivemos um acréscimo. Mas falando de presente: nós temos que combater os indicadores e percepção de segurança.
Haverá alguma ação específica quanto aos roubos por falsos entregadores?
Já estamos fazendo reuniões tanto com a Polícia Civil, quanto no Palácio dos Bandeirantes, com todas as empresas de entregadores. Porque são indivíduos que se disfarçam de entregadores. Nós temos uma profissão, temos muitos jovens que estão trabalhando nessa profissão e eles não são bandidos. São trabalhadores. Mas, para segurança deles e para segurança da sociedade, nós vamos fazer operações, que estão sendo feitas, visando abordar esse público. Porque pode ser a própria moto de um entregador que acabou de ser furtada ou roubada para ser usada em um crime. Pode ser algum indivíduo que já está disfarçado para cometer o delito. Isso está fazendo bloqueio, pinçamento, policiamento de moto.
O que vocês estão conversando com as empresas de entregadores?
A gente quer ver o que pode ser feito de identificação dos profissionais, para termos um parâmetro de como a gente poderia atuar, sem atrapalhar os serviços. Porque nunca, em hipótese nenhuma, pode ter algum tipo de discriminação.
O problema que o criminoso pode roubar também a identificação, não é?
É exatamente isso que está sendo estudado. Qual seria o melhor meio para identificar o caminho, a rota, talvez um aplicativo para saber: ‘Olha, aqui é rota do pessoal que está fazendo entrega, mas essa daqui não está na rota". Alguma coisa nesse sentido, por isso nós chamamos as empresas, porque também é interessante para elas ajudar. Porque acabando ficando uma imagem negativa para elas também.
O principal crime a ser combatido em SP, principalmente capital, para tentar reduzir essa sensação de insegurança?
O roubo, com certeza. O roubo que impacta, que pode virar latrocínio.
O senhor pretende aumentar o efetivo nas ruas?
Sim, para melhorar a percepção de segurança. Quarta-feira será anunciado algo nesse sentido.
Além dos entregadores, há um problema, em especial na região central, que são os meninos de bicicleta praticando furtos. Qual a dificuldade de combater esse tipo de crime?
O que gente vai fazer também: a gente vai intensificar para colocar policiais também de bicicleta. Isso ajuda bastante. Onde há policiais fazendo policiamento de bicicleta, diminui esse tipo de ação. Porque eles sabem que policial de carro, a pé, ou até de moto, fica difícil de atrás dele. É um programa que é simples e até barato e ajuda muito.
Como aconteceu a sua escolha?
Estava me preparando para ir embora, quando o comandante Alencar me ligou: ‘temos que ir agora ao Palácio para uma reunião com o governador’. A gente vai pensando em milhão de coisas. ´O que será que fiz de errado?’ [risos]. Estou brincando, obviamente. Chegamos lá, o comandante Alencar me falou: ‘ele me chamou para agradecer pelo meu trabalho, está muito contente, e comunicar que você será o novo comandante-geral.’ A gente fica contente, mas é uma missão. Tem aquela de pedir: ‘Me dá uma semana para pensar?’. Não, a gente está pronto para missão. Que é uma das características do militar. A minha missão é fazer o melhor possível e o impossível o tempo que eu ficar aqui.
O senhor sonhava em ser comandante-geral?
Nem nos melhores dos meus melhores sonhos. Nunca passou pela minha cabeça.
O senhor conhecia o Rodrigo Garcia antes?
Só de vista.
Raio-X
Ronaldo Miguel Vieira, 51
Mestre e doutor em ciências policiais de segurança e ordem pública. Ingressou na PM em 1989, declarado aspirante em agosto de 1992. Foi promovido a coronel em 28 de março de 2019. Foi comandante do policiamento do centro de SP, trabalhou na Casa Militar, Cavalaria e em cinco batalhões (quatro na capital e um no interior). Recebeu 16 medalhas, entre as quais a Brigadeiro Tobias, maior honraria da corporação.