Juristas ouvidos pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta quinta-feira (20) discordam sobre a obrigação das prefeituras com mais de 60 mil habitantes de instituírem procuradores municipais — responsáveis por prestar consultoria jurídica e representar os municípios nos processos judiciais. Os convidados para o debate divergiram sobre a capacidade de os cofres públicos municipais arcarem com os novos cargos e sobre a possibilidade de contratação de advogados privados.
A obrigação é prevista na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/2023 , apresentada inicialmente pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A audiência pública da CCJ atendeu a requerimentos dos senadores Veneziano, Efraim Filho (União-PB, licenciado) e Weverton (PDT-MA), que é relator da proposta.
Weverton já apresentou relatório pela aprovação do texto, que, para ele, valoriza os procuradores — também chamados de advogados públicos — municipais. Diante de solicitações para aumentar a abrangência da obrigação para todos os municípios, Weverton defendeu a manutenção do texto.
— É um passo de cada vez, não se consegue tudo de uma vez só. Se [a PEC] não andar, [a regra] vai ficar do jeito que está.
Atualmente a criação das Procuradorias municipais é facultativa para os municípios. Na Constituição Federal, o cargo é previsto apenas para a União, estados e Distrito Federal. Os procuradores são servidores públicos do Poder Executivo de seu respectivo ente federativo.
Os participantes apresentaram diferentes interpretações sobre a possibilidade de os municípios contratarem advogados privados para defenderem suas causas na Justiça. A PEC mantém aos municípios com menos de 60 mil habitantes a possibilidade de contratar advogados por meio de licitação, como já ocorre hoje. Para esses, a criação de Procuradorias também é possível.
Na avaliação do representante da OAB Shaymmon Emanoel Rodrigues de Moura Sousa, a PEC não permitirá que os municípios com mais de 60 mil habitantes assinem esses contratos, o que fere a autonomia dos entes. Segundo ele, há casos jurídicos complexos, como royalties (participação do ente na exploração de determinados recursos naturais), que necessitam de advogados especialistas.
— A necessidade de especialização em determinados casos e busca por eficiência na gestão pública requer que municípios tenham possibilidade de contratar especialistas. É preciso garantir legalidade [nas contratações de advogados], seja para demandas gerais ou para demandas específicas, mesmo quando existirem Procuradorias municipais estabelecidas — disse Sousa.
Consultor Legislativo do Senado Federal, Gustavo Haddad Braga explicou que, caso a PEC seja aprovada, será aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que as contratações serão permitidas em casos excepcionais, quando a prefeitura deve demonstrar a inadequação do serviço prestado pelo poder público. A regra também vale para a União e os estados. Para Braga, a inclusão dos advogados públicos municipais na Carta Magna fortalecerá os municípios.
— A autonomia [dos municípios] de nada vale se não forem capazes de fazer seus interesses… Nas situações excepcionais em que se permite a contratação de advogados privados, esse ponto não estaria sendo modificado. Não vai se permitir uma ampla contratação para toda e qualquer causa — disse Braga.
A secretária-geral de Consultoria da Advocacia-Geral da União (AGU), Clarice Costa Calixto, afirmou que a PEC fortalece as políticas públicas municipais. Segundo ela, o advogado público tem papel de viabilizar a entrega de serviços e direitos à população.
— A entrega na ponta depende da capacidade estatal dos municípios. [Se] formulam aqui em Brasília uma política belíssima, [como] fortalecimento da educação, fica bonito no decreto. Na hora que esse recurso federal chega no município, se não tem um advogado público garantindo a efetiva abertura de vaga lá na ponta, o trabalho da AGU não vai ser efetivo. [A PEC] é um fortalecimento da democracia brasileira.
Para a presidente da Associação Nacional das Procuradoras e dos Procuradores Municipais (ANPM), Lilian Oliveira de Azevedo Almeida, o texto ajuda a corrigir um “federalismo assimétrico”. Segundo ela, a proposta é adequada à realidade dos municípios, em que cerca de 90% não possuem mais de 60 mil habitantes. Os dados são do IBGE.
— A PEC vem na solução de pensar na segurança jurídica em que você reconhece maior estruturação a municípios que têm demanda e volume, mas você reconhece flexibilização desses 90% [dos municípios] de escolher qual o melhor modelo [de representação judicial].
O consultor jurídico da Confederação Nacional de Municípios (CNM) Mártin Haeberlin apontou que exigir a criação de novos cargos acarretará em aumento de gasto público com pessoal. Esse tipo de despesa possui regras específicas na Lei de Responsabilidade Fiscal ( LRF — Lei Complementar 101, de 2000 ), que prevê mecanismos que evitam que os municípios gastem com pessoal mais de 60% de sua receita corrente líquida — tipo de receita que não contribui para aumentar o patrimônio do ente.
— Quando há contratação de escritório [de advocacia], eles não entram no contexto de despesa de pessoal. Isso é um gargalo muito grande quando a gente pensa a autonomia financeira de municípios que já estão às vezes sufocados nos limites da LRF.
Haeberlin também questionou a capacidade de cidades mais populosas que estão locais de difícil acesso de atrair profissionais. Já o presidente da Associação Paraibana da Advocacia Municipalista (APAM), Marco Aurelio Medeiros Villar, afirmou que os municípios podem ter desafios em remunerar adequadamente seus advogados públicos.
A PEC 28/2023 está em análise na CCJ, único colegiado em que tramitará. Depois, o texto será analisado em Plenário.
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