Mesmo ainda demandando respostas emergenciais para resgates, alojamentos, alimentação e primeiros socorros, a tragédia causada pelas enchentes no Rio Grande do Sul começa a entrar na fase de recuperação e reestruturação dos municípios afetados e da vida da população. Participantes da sessão que debateu o tema no Senado nesta segunda-feira (27) defenderam que esse processo passa, necessariamente, pela elaboração de novas políticas de prevenção de desastres climáticos e pela implantação de medidas efetivas que pensem o desenvolvimento sustentável das cidades, a proteção ambiental e a segurança das pessoas.
A promoção da sessão de debates atendeu a um requerimento ( RQS 322/2024 ) apresentado pelo senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Comissão Temporária Externa do Rio Grande do Sul.
A senadora Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão do Meio Ambiente (CMA), ressaltou a corrente de solidariedade que tem promovido uma série de ações positivas na busca da recuperação das vidas no Rio Grande do Sul. Ela disse que essa mobilização e união do país vai precisar seguir por muito tempo com foco nos resgates, nos apoios financeiro, estrutural, epidemiológico e psicológico da população, na recuperação do estado e nas políticas de prevenção. Mas ponderou sobre o papel do Brasil em cobrar das potências globais a justa responsabilidade e o consequente financiamento pelas mudanças climáticas, além de começar a fazer a “lição de casa”, redesenhando os sistemas de produção.
— É necessário, por mais difícil que seja, aceitar essa realidade e encarar que o clima mudou e que precisamos mudar junto com ele. Em nível internacional, precisamos continuar cobrando os principais culpados por essa situação em escala global. É urgente que o financiamento climático esteja coerente com o tamanho dos estragos que esses eventos vêm causando, principalmente redesenhando nossa economia, nossa forma de produzir e de consumir. O desafio será gigantesco.
Na avaliação dos senadores que representam o Rio Grande do Sul, o estado vive hoje a pior calamidade já registrada no Brasil em todos os tempos. Diante do "cenário de guerra", eles exigiram que as ações e respostas sejam condizente com os efeitos dessas perdas. Os parlamentares apontaram ainda que mais de 80% da economia gaúcha foi atingida. E destacaram a atuação da Comissão Temporária Externa do RS, que visitou o município de Canoas, na última quinta-feira (23).
Na opinião dos parlamentares, a situação na região comprova a necessidade de se pensar em novas políticas de prevenção de desastres mas, acima de tudo, evidencia os impactos ambientais causados ao longo do tempo pelo homem e a urgência em implantar medidas efetivas para o desenvolvimento sustentável do país.
— Está claro, desde já, que é fundamental o fortalecimento dos sistemas de alerta precoce e de capacitação das comunidades para a resposta a desastres, bem como a educação ambiental e a conscientização sobre as mudanças climáticas, preparando a população para os desafios futuros. A tragédia climática no Rio Grande do Sul é um alerta de que precisamos agir com urgência e determinação. Não se pode mais ignorar os sinais claros de que o clima está mudando e de que suas consequências são devastadoras — disse o relator da comissão, senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS).
A chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, Monique Sacardo Ferreira, informou que a pasta tem olhado para a política climática e para o enfrentamento da emergência climática como uma grande missão de promover políticas que levem à descarbonização da economia, promovam uma transição justa e preparem a população e as cidades para serem cada vez mais resilientes aos impactos ambientais.
Nesse sentido, o ministério, segundo ela, vem trabalhando na revisão e melhoria do Plano Nacional de Mudança do Clima, com o objetivo de reforçar os caminhos que vão levar tanto à prevenção dos efeitos climáticos como à adaptação à crise já estabelecida.
— A gente precisa de um olhar preventivo, mas essa prevenção começa na mitigação das mudanças do clima. Começa em a gente repensar em quais são as escolhas que a gente faz para os diversos setores econômicos, quais são as escolhas de desenvolvimento que nós temos. Para tanto, nós estamos revisando esse Plano Nacional de Mudança do Clima, que no componente de mitigação [redução das emissões de gases de efeito estufa] terá sete planos setoriais que vão olhar para energia, agricultura, mudança no uso da terra. Enfim, são sete setores que o governo vai olhar como um todo, para saber quais são as escolhas, os caminhos que a gente vai percorrer para desenvolver o país, mas com resiliência e contribuindo para reduzir as emissões globais de gases de efeito estufa.
O diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, fez o prognóstico de que a mudança climática “vai continuar e vai piorar” e informou que Agapan já alertava sobre os riscos no Rio Grande do Sul há pelo menos 53 anos. Na opinião dele, o Brasil precisa transformar “esse sofrimento numa oportunidade”, revisando seus meios de produção, principalmente na agricultura, buscando medidas para promover a transição orgânica, a recuperação das áreas de preservação permanente que foram desprotegidas (como as matas ciliares) e incentivando a agrofloresta orgânica.
— No Rio Grande do Sul, o código de meio ambiente gaúcho desprotegeu as várzeas, desprotegeu as matas ciliares, desprotegeu as espécies nativas e várias outras coisas. A lei de agrotóxico gaúcha evitava que vários herbicidas (esses agrotóxicos que, ao matar as plantas, aumentam a erosão) fossem liberados; eles já eram proibidos há mais de 30 anos no Brasil. E agora, recentemente, foi assinada uma lei que autoriza construções, obras de barragens, obras de reservatórios d'água dentro de áreas de preservação permanente. Ora, as áreas de preservação permanente são o ambiente da natureza que produz a água, que regulariza a água e que absorve a água. Então, essas áreas são essenciais mais do que nunca hoje. Talvez tivessem que ser ampliadas, mas nós, ao contrário, estamos autorizando fazer obras dentro, o que é, na verdade, acabar com a área de preservação permanente.
O secretário-adjunto de Atenção Especializada à Saúde do Ministério da Saúde, Nilton Pereira Júnior, que representou a ministra Nísia Trindade da sessão, disse que a pasta tem trabalhado, desde o primeiro momento, a partir de duas frentes de atuação: a assistência e a vigilância à saúde, com a instalação de quatro estruturas de hospitais de campanha na região, desde o dia 5 de maio.
Segundo o secretário, o ministério já destinou mais de R$ 1,7 bilhão para a estrutura emergencial da saúde; foram feitos mais de 6,3 mil atendimentos, e mais de 300 voluntários estiveram mobilizados nesta etapa. Agora, conforme expôs Nilton Júnior, a coordenação da saúde, em contato permanente com os secretários dos municípios, tem destinado atenção especial aos riscos epidemiológicos resultantes da tragédia, como a leptospirose. O gestor também reforçou que não há qualquer corte ou redução no envio de medicação e vacinas para as localidades afetadas.
— Estamos enfrentando tanto os casos agudos quanto os casos de doenças infectocontagiosas que podem aparecer na sua forma aguda, mas o mais preocupante para nós são as manifestações crônicas e permanentes das doenças infectocontagiosas. Nós já temos quatro casos de óbitos por leptospirose, a doença mais lembrada neste momento por conta da transmissão hídrica dessa bactéria, principalmente em água contaminada. Nós temos outros 4 casos em investigação e mais de 50 casos confirmados, para um conjunto de mil e tantos casos notificados e em investigação.
Segundo o secretário, já foi liberado mais de 1,2 milhão de doses de novas vacina e 135 kits de emergência (que são 150 itens que atendem à população para a demanda emergencial), e a pasta se prepara para a segunda fase, que é da reconstrução e do restabelecimento da Rede de Atenção à Saúde. De acordo com ele, 230 municípios já encaminharam 720 pedidos solicitando construções, reformas e equipamentos para unidades de saúde, o que totaliza um recurso de R$ 317 milhões.
Secretário-executivo do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, Valder Ribeiro de Moura disse que a Defesa Civil já aprovou, desde o início da tragédia até agora, um número de planos de trabalho superior a todos aqueles aprovados em 2023 para o Rio Grande do Sul, em termos de assistência humanitária, restabelecimento e reconstrução.
Ele ainda citou que a pasta, juntamente com o Ministério da Integração Nacional, vai direcionar R$ 2 bilhões para os planos de restabelecimento e reconstrução na região e que a mobilização está centrada, neste momento, em viabilizar toda a estrutura da Codevasf e da Petrobras para a transferência de bombas à região e assim agilizar a vazão da água e a limpeza das cidades.
— Nós já estamos com as medidas provisórias aprovadas, com mais de R$ 2 bilhões investidos no Ministério da Integração, para as mais variadas formas de atendimento, desde o auxílio-reconstrução, uma parceria também com relação ao restabelecimento, R$ 560 milhões de restabelecimento, mais R$ 219 milhões para reconstrução; a parceria com os Correios, para que haja essa doação, para que chegue realmente nos abrigos, nas escolas, nos postos de saúde — acrescentou.
Segundo dados da própria Defesa Civil, há 55 mil desabrigados e 581 mil desalojados no Rio Grande do Sul. As doações sob o controle do governo federal já somam mais de 20 mil toneladas.
O ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Augusto Nardes, afirmou que os indicadores de governança nos poderes públicos brasileiros, em todos os níveis da Federação, são imprescindíveis para a prevenção de desastres como o que aconteceu no Rio Grande do Sul. Ele informou que esteve antes do período das fortes chuvas com o governador do estado, Eduardo Leite, e com o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, com o intuito de alertar sobre as questões preventivas e as avaliações de risco. Nardes afirmou que tragédias como a do Rio Grande do Sul serão cada vez mais frequentes no país e demonstrou preocupação por não identificar uma política de governança nem mesmo nos órgãos ligados à defesa civil, com foco nas avaliações de risco e nas ações preventivas em cada região.
— Quais são os instrumentos que tem que ter um município para poder evitar desastres? Estão aqui os dados, todos, porque nós estamos vivendo uma tragédia lá no Rio Grande do Sul. Por exemplo, a carta geotécnica de aptidão da urbanização em Porto Alegre não foi feita; plano municipal de redução de riscos, não tem (boa parte dos municípios não tem); lei de uso e ocupação do solo que contemple a prevenção de escorregamentos e deslizamentos em encostas, não temos; nem plano diretor que contemple a prevenção de escorregamentos, lei de uso e ocupação do solo que contemple a prevenção de enchentes, e assim vai — citou.
A diretora-geral do Senado, Ilana Trombka, falou sobre como a corrente de união e solidariedade dos brasileiros, juntamente com as iniciativas dos poderes públicos, podem fazer a diferença neste momento de dificuldade. Ela detalhou o trabalho do grupo de voluntários Liga do Bem, uma iniciativa da administração do Senado que, até o momento, já enviou 231 toneladas de doações ao Rio Grande do Sul. Ilana fez um depoimento sobre a reação das crianças ao receberem brinquedos, durante a entrega de donativos na semana passada.
— Compreendo que aquela não era a necessidade mais premente, era necessário que eles estivessem abrigados da chuva, que eles tivessem uma condição mínima de alimentação, de higiene; mas depois de 21 dias, aquilo tinha virado um utensílio de primeira necessidade, de poder prover para eles, com a humildade de quem está tão longe, aquela oportunidade de voltar a brincar. Isso fez com que todos nós que estávamos quinta-feira lá acreditássemos na potencialidade do trabalho voluntário e na potencialidade do trabalho deste Senado Federal.
Ainda durante a sessão, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, solicitou um minuto de silêncio em manifestação de pesar pelas vítimas da tragédia do Rio Grande do Sul. Também foi exibido um vídeo produzido pela TV Senado com o cenário da maior catástrofe climática já registrada no estado.
Também participaram da sessão: o secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Bruno Renato Teixeira; o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan; o secretário de Políticas Públicas do Ministério da Igualdade Racial, Ronaldo dos Santos; o secretário-executivo-adjunto do Ministério do Empreendedorismo, Renato Soares Peres Ferreira; e o vice-reitor da Universidade de Brasília (UnB), Enrique Huelva, entre outros debatedores.
Segundo dados da defesa civil, pelo menos 160 pessoas perderam a vida e 72 continuam desaparecidas no estado. Mais de 640 mil pessoas estão fora de suas residências, o que representa quase 6% da população do estado. Dessas, cerca de 65 mil vivem em abrigos provisórios. No total, foram resgatadas 82,6 mil pessoas e mais de 12 mil animais silvestres e domésticos. Dos 497 municípios gaúchos, 468 tiveram suas rotinas afetadas pelas chuvas, o equivalente a 94% do total. Mais de 2,1 milhões de pessoas foram de alguma forma atingidas por essa catástrofe.
A infraestrutura do estado foi severamente danificada, com destruição de estradas e pontes e alagamento até do aeroporto internacional de Porto Alegre. A proteção da capital para enchentes pouco adiantou. Dados da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) apontam que 90% da indústria do estado foi atingida pelas cheias, de proporções inéditas. Ao mesmo tempo, houve perda de grande parte da safra e extensas áreas agricultáveis permanecem alagadas.
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