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Estado de São Paulo lança maior programa de terapias avançadas para tratamento de câncer da América Latina

Feita em parceria por Butantan, USP e Hemocentro de Ribeirão Preto, a iniciativa vai atender até 300 pacientes por ano

Redação
Por: Redação
14/06/2022 às 05h25 Atualizada em 14/06/2022 às 05h27
Estado de São Paulo lança maior programa de terapias avançadas para tratamento de câncer da América Latina

Um tratamento inovador que se mostrou altamente eficaz contra alguns tipos de câncer de sangue (linfoma e leucemia linfoide aguda) está cada vez mais próximo da população brasileira. No mês de junho, o Governo do Estado de São Paulo, por meio de uma parceria entre Butantan, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e Hemocentro de Ribeirão Preto, vai inaugurar as obras de duas unidades de produção de terapia celular para o tratamento do câncer: o Núcleo de Terapia Celular Avançada (Nucel), instalado na Cidade Universitária em São Paulo (SP), e o Núcleo de Terapia Avançada (Nutera), localizado em Ribeirão Preto (SP). A iniciativa faz parte de um acordo de cooperação entre as instituições. Juntas, as unidades terão capacidade de tratar cerca de 200 a 300 pacientes por ano.

A terapia com células CAR-T (sigla para receptor quimérico de antígeno, em português) é desenvolvida no Centro de Terapia Celular da FMRP-USP. O primeiro voluntário, que recebeu o tratamento experimental há dois anos, alcançou a remissão total de um linfoma em estágio terminal. Outros pacientes que optaram pelo tratamento também tiveram remissão. “Trata-se de um tratamento personalizado, pois usa as células de defesa do próprio paciente para combater a doença. É uma terapia absolutamente revolucionária que, na minha opinião, mudará o tratamento do câncer nos próximos anos”, afirma o presidente do Instituto Butantan, Dimas Covas, hematologista que lidera o estudo.

Embora já seja aplicada em diferentes países, a terapia celular segue com um grande obstáculo: o custo elevado, que pode chegar a US$ 500 mil por aplicação em cada paciente. A parceria entre Butantan, Hemocentro de Ribeirão Preto e USP na construção das duas unidades tem o objetivo de ampliar o acesso ao tratamento e fazer com que ele chegue ao Sistema Único de Saúde (SUS).

“É uma tecnologia de extrema importância para a saúde pública. A função do Butantan nesse cenário é oferecer sua capacidade de produção, experiência com processos conduzidos sob boas práticas de fabricação, desenvolvimento clínico e entrega de produtos imunobiológicos para tentar reduzir ao máximo o custo dessa terapia”, afirma o gerente de inovação do Butantan, Cristiano Gonçalves, que é responsável pelo Escritório de Inovação e Licenciamento de Tecnologia da instituição.

As unidades de São Paulo e Ribeirão Preto contarão com uma estrutura avançada que permitirá o desenvolvimento, a produção e o armazenamento da tecnologia em um único lugar. As instalações incluem laboratórios de controle de qualidade, salas de produção de vírus, salas limpas de produção de células CAR-T, salas de preparo de meios e soluções e áreas destinadas ao armazenamento do produto final e insumos em tanques de criogenia.

A iniciativa conta com o apoio do governo do estado de São Paulo. “Com esse novo programa, São Paulo reforça seu pioneirismo na pesquisa e na oferta de tratamentos inovadores, de altíssima complexidade, aos brasileiros”, afirma o secretário de Ciência, Pesquisa e Desenvolvimento em Saúde do Estado de São Paulo, David Uip.

Testes em pacientes

Como a terapia celular ainda está em fase experimental no Brasil, os pacientes foram tratados até então de forma compassiva – por decisão médica, quando o câncer está em estágio avançado e não existe outra alternativa de terapia autorizada. Esse tipo de estudo ainda não é regulatório, ou seja, não influencia na aprovação final do tratamento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas fortalece a possibilidade de aprovação de um estudo clínico com mais voluntários.

“Nesse momento, o Butantan, o Hemocentro e a USP estão se preparando para submeter o estudo clínico de fase 1 para a Anvisa", diz Cristiano. Segundo ele, com as obras finalizadas em junho, o próximo passo é instalar, qualificar e certificar os equipamentos e treinar as equipes para começar a operar. A expectativa é que a fase 1 tenha início em outubro deste ano, com 30 pacientes com câncer de sangue – especificamente, linfoma non-Hodgkin de células B.

Ensinando o sistema imune a combater o câncer

A tecnologia CAR-T Cell é um tipo de imunoterapia que utiliza linfócitos T, células do sistema imune responsáveis por combater agentes patogênicos e matar células infectadas. O tratamento consiste em retirar e isolar os linfócitos T, ativá-los, “reprogramá-los” para conseguirem identificar células do câncer e depois inseri-los de volta no organismo do indivíduo. Nesse momento, as células de defesa modificadas voltam com mais força para eliminar as células tumorais. Todo esse processo, desde a coleta, modificação das células e aplicação no paciente, pode durar em torno de 60 dias.

Mas como funciona? Após a coleta do sangue, o médico determina parâmetros celulares para separar apenas o grupo celular de interesse (as células T). Depois, os pesquisadores aplicam em laboratório um reagente que estimula a ativação dessas células. “Uma vez que os linfócitos T são ativados e multiplicados, eles são colocados em contato com um vetor lentiviral – um vírus modificado incapaz de causar doença. Esse vetor contém a informação genética de um receptor que reconhece o antígeno chamado CD-19, que é expresso na superfície das células tumorais de neoplasias hematológicas [câncer no sangue]”, explica a biomédica e tecnologista de laboratório Virginia Wagatsuma, do Nucel.

Por conter a informação genética do receptor do CD-19, o vetor faz a célula T expressá-lo em sua superfície, originando as células CAR-T que serão usadas na terapia – e que se ligarão ao CD-19 presente nas células tumorais. O produto é congelado e passa por rigorosos testes de controle de qualidade, para só depois ser infundido no paciente em um processo semelhante à transfusão de sangue. De volta à corrente sanguínea, esse conjunto de células CAR-T reconhece e se liga às células do câncer, induzindo a morte celular.

Um sinônimo de esperança

Para Dimas Covas, o primeiro paciente a receber a terapia celular representou uma experiência inesquecível. “Ele era um homem idoso que já tinha passado por quatro diferentes tratamentos contra linfoma e tinha esgotado as suas possibilidades. Nos primeiros 30 dias de aplicação da CAR-T Cell, a maior parte das células cancerosas foi eliminada e ele entrou em remissão. Infelizmente, cinco meses depois, ele teve um acidente doméstico, sofreu um traumatismo craniano e não resistiu. Essa história marcou muito a vida de todos aqueles que dedicaram seus esforços para tratá-lo”, conta.

O hematologista reforça que o Butantan, junto à USP e ao Hemocentro de Ribeirão Preto, continuará trabalhando para que essa terapia possa ser oferecida em larga escala aos brasileiros.

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