O abismo entre a produção do alimento e a refeição no prato pode ser gigante, mas a solução está mais próxima do que se imagina: ela é ancestral e deve ser fortalecida enquanto política pública. Esse é o cerne da iniciativa Quilombo&Quebrada, que promove a articulação entre o movimento negro urbano e quilombola para criar pontes entre o alimento cultivado nos quilombos do Vale do Ribeira para soberania alimentar das periferias de São Paulo.
Na encruzilhada entre Quilombo&Quebrada, a insegurança alimentar não tem vez. Por isso, em 2023 o ciclo de feiras irá acontecer quinzenalmente entre Jardim Lapena, em São Miguel Paulista, e em Cidade Tiradentes, ambos na zona leste da cidade de São Paulo.
A primeira edição da feira de 2023 acontece sábado, dia 20/05 no Centro Cultural Arte em Construção, do coletivo Pombas Urbanas, em Cidade Tiradentes.
Em 2022 foram realizadas 10 feiras, que alcançaram aproximadamente 6 mil pessoas. Para Priscila Novaes, uma das idealizadores do Quilombo&Quebrada e é chef proprietária do Kitanda das Minas, o resultado da iniciativa colabora com o fomento de saúde e bem-viver da comunidade negra.
“Quando esses alimentos quilombolas orgânicos chegam pras periferias de São Paulo, promovem a saúde e bem-estar a partir do momento que aquelas famílias conseguem ter acesso a esse alimento sem veneno e realmente acessível.”
Priscila explica que os alimentos não são acessíveis para as periferias, ainda mais os orgânicos, por isso a importância dessa iniciativa.
“Hoje, os alimentos estão muito encarecidos e, por incrível que pareça, os comércios locais são aqueles que têm os altos preços. O Quilombo&Quebrada faz essa junção entre as famílias agricultoras quilombolas com a gente, - comunidade negra urbana - e nós nos sentimos privilegiadas por estar ali consumindo e comercializando aquele alimento cheio da sabedoria ancestral. E, sabemos: isso não deveria ser um privilégio mas um direito”, explica Priscila.
Card Quilombo Quebrada
A iniciativa nasceu no período de enfrentamento à pandemia de COVID-19, pela necessidade de suprir a dependência de vendas fomentadas via políticas públicas fragilizadas no governo Bolsonaro, em que contratos foram rompidos, ocasionando falta de locais para escoar a produção quilombola do Vale do Ribeira.
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Em confluência, as Mulheres de Orì, consultoria de inovação ligada ao empreendimento de impacto social Kitanda das Minas, estabeleceu uma parceria com a Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), para comercializar os produtos alimentícios das comunidades quilombolas. A cooperativa recebe apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) para organizar e escoar sua produção.
Desde 2018, o Sistema Agrícola Quilombola é reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como patrimônio imaterial brasileiro. A produção de alimento quilombola faz parte de um conjunto de saberes e técnicas que compõem esse sistema. Nesse sentido, além da comercialização contribuir para o fortalecimento da manutenção das florestas, das técnicas sustentáveis, agroecológicas responsáveis pelo manejo dos remanescentes da Mata Atlântica no Vale do Ribeira, também salvaguarda do patrimônio imaterial por meio da geração de renda.
Alimento para a resistência negra
A conexão que propõe o Quilombo&Quebrada contribui com o combate a desigualdades alimentares ligadas pelo racismo estrutural, que existem tanto nos quilombos quanto nas periferias urbanas. Mas o combate precisa ser efetivado também como política pública, como explica Adriana Rodrigues, assessora para sociobiodiversidade do ISA.
“A valorização das manifestações e saberes quilombolas é uma ação determinante para as identidades que constituem o país, além de prática importante para a preservação de manifestações ligadas aos povos e comunidades tradicionais”, enfatiza.
Serviço:
Feira Quilombo&Quebrada de 2023 acontecerá no 20/05 na Cidade Tiradentes
Local: Centro Cultural Arte em Construção (Pombas Urbanas)
Avenida dos Metalúrgicos 2100 - Cohab Cidade Tiradentes
Horário: 9h às 15h