Pouco antes de selar seu retorno ao Corinthians, o técnico Tite surpreende ao anunciar uma pausa na carreira. A decisão, motivada por razões de saúde mental, é rara no universo do futebol — um meio ainda marcado por estigmas quando o assunto é cuidado emocional.
O próprio clube se pronunciou em apoio, e o técnico, que comandou a Seleção Brasileira em duas Copas do Mundo, deixou claro: o momento é de olhar para dentro. “A saúde mental precisa ser prioridade, especialmente para quem vive sob pressão constante. Estou me escutando”, afirmou o treinador, em nota.
Para a psicóloga Êdela Nicoletti, diretora da DBT Brasil e especialista em Terapia Comportamental Dialética (DBT), o gesto é potente. “A decisão de Tite inaugura um novo espaço simbólico no futebol: o do cuidado legítimo com a própria mente. Não é fraqueza, é coragem. E essa coragem pode salvar vidas”, afirma.
Vinícius Dornelles, mestre em psicologia e também especialista em DBT, destaca o impacto da cultura do desempenho. “No futebol, o erro é punido com hostilidade pública. Há pouca margem para a vulnerabilidade. Mas quando uma figura como o Tite diz ‘eu preciso parar’, ele oferece licença para que outros façam o mesmo. Isso tem um valor educativo gigantesco”, analisa.
Além da pressão por resultados imediatos, a realidade dos treinadores inclui um cenário crônico de insegurança no cargo. Pesquisas da Universidade Católica Portuguesa mostram que muitos profissionais do futebol operam em condições instáveis, o que reforça um estado de alerta constante. “É uma profissão onde se trabalha com a sombra da demissão todos os dias”, comenta Dornelles. “Não à toa, muitos duram semanas ou poucos meses em clubes. Essa imprevisibilidade constante desgasta não só o corpo, mas principalmente a mente.”
Estudos da Universidad del Fútbol e da EFDeportes também apontam que, diante desse cenário, é comum que os treinadores recorram a posturas autoritárias e a uma liderança baseada no medo — não por escolha, mas como tentativa de manter algum controle em um ambiente altamente volátil.
Segundo pesquisa da Fifpro (2023), 38% dos jogadores profissionais relataram sintomas de ansiedade e depressão durante a carreira. Entre treinadores, os índices não são menores — mas são ainda menos falados.
“É uma bolha que começa a estourar”, avalia Êdela. “A gente precisa parar de tratar o autocuidado como luxo. Tite não desistiu de nada. Ele escolheu continuar de outro jeito. E isso é muito mais revolucionário do que parece.”