Vale do Ribeira A Região
A Revolução de 1932 no Vale do Ribeira
Oficialmente teriam morrido 934 pessoas na chamada “guerra paulista”, embora estimativas não oficiais aumentem esse número para 2.200 mortos.
08/07/2024 12h58 Atualizada há 5 meses
Por: Redação

Ao tomar o poder em 1930, Getúlio Vargas destituiu todas as autoridades do país, substituindo-as por pessoas ligadas ao novo regime. Para os estados, foram nomeados interventores federais, que, por sua vez, nomeavam, por decreto, os prefeitos municipais. O Legislativo foi fechado e o prefeito governava o município sem o auxílio dos vereadores. Apenas em 1936 é que seriam realizadas eleições para o primeiro Legislativo após a Revolução de 1930.

Dois anos após Vargas se instalar no Palácio do Catete, eclodiu em São Paulo a Revolução Constitucionalista, que tinha por objetivo obrigar o presidente a dar uma nova Constituição ao País, pois a que vigorava, de 1891, não estava sendo respeitada.

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No dia 23 de maio, um protesto contra o governo federal resultou na morte de quatro jovens: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Com as iniciais desses nomes, dias após, seria formada a sigla MMDC, que virou o logotipo da Revolução Constitucionalista.

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E, assim, no dia 9 de julho, tinha início em São Paulo o movimento constitucionalista, apoiado amplamente pelo povo paulista. Foram 85 dias muita luta, até 2 de outubro de 1932, quando São Paulo se rendeu. Centenas de jovens paulistas sucumbiram nas trincheiras, motivados pelo ideal da constitucionalização do Brasil. Oficialmente teriam morrido 934 pessoas na chamada “guerra paulista”, embora estimativas não oficiais aumentem esse número para 2.200 mortos.

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A REVOLUÇÃO EM IGUAPE
Como todo o efetivo policial das cidades paulistas tinha sido requisitado pelo Governo do Estado, foi criada em cada município uma Guarda Municipal, formada pelos próprios  cidadãos locais. Essa corporação era também conhecida pelo nome de Polícia Municipal.

Em Iguape, a Polícia Municipal foi criada no dia 15 de julho de 1932, pouco mais de um mês após a explosão do movimento constitucionalista, e era composta por 222 cidadãos iguapenses, que se apresentaram voluntariamente para o policiamento da cidade.

Assim, essa polícia se encarregava de manter a ordem, guardar a cadeia e edifícios públicos, cumprindo seus integrantes, para o perfeito desempenho da tarefa a que se impuseram, todas as ordens que lhes eram dadas e obedecendo à disciplina a que ficavam sujeitos.
 
O EMBARQUE DA FORÇA PÚBLICA
Em 16 de julho, embarcava em Iguape, para se incorporar ao seu batalhão, um contingente da Força Pública local (nome que então se dava à Polícia Militar), acompanhando de um contingente vindo de Cananeia. Antes de embarcarem, os soldados deram uma volta pela cidade, sendo acompanhados por grande massa popular que gritava “vivas” a São Paulo, ao Brasil, aos líderes do movimento constitucionalista, aos soldados revolucionários e à polícia.

O embarque foi assistido por familiares dos policiais e pelo povo. Em nome da população iguapense, discursou o Dr. Cyrillo Freire, conclamando os soldados ao cumprimento de seu dever cívico, sendo muito aplaudido. Novamente se ergueram “vivas” a São Paulo e ao Brasil. Em seguida, o Dr. Cyrilo Freire voltou a discursar, e ofertou, em nome da família iguapense, efígies e medalhas do Bom Jesus de Iguape, que foram colocados nos peitos dos soldados, sob o aplauso popular. O comandante do contingente de Cananeia agradeceu em nome da Força Pública, destacando o valor do soldado paulista, a gratidão e o estímulo do povo iguapense. Reinava grande entusiasmo na cidade.

O semanário “O Iguape” (nº 301, de 19/7/1932), noticiou o embarque dos soldados da Força Pública de Iguape e Cananeia rumo aos campos de combate. O título da manchete era: “O irresistível movimento armado constitucionalista que estalou na lendária e majestosa Paulicéia, para quebrar os grilhões oprobriosos com que a ditadura vem manietando a Nação, está virtualmente victoriso”. Parte do texto dizia:

“Nós, iguapenses, paulistas por excellencia, não podemos nem devemos ficar impassíveis diante do grandioso movimento em pról da restauração do império da lei em nossa Patria. O momento é de reivindicações e nunca se obtem reinvindicações sem sacrifícios [...]. Iguapenses!... Sacudamos o torpôr que tolhe os impulsos espontâneos que acabrunha e embota as consciências. Sejamos paulistas...E todo o paulista nesta hora em que periclitam os altos destinos da nossa nacionalidade, não póde titubear.  Levantemo-nos como um só homem e vamos tornar mais compactas as fileiras dos nossos irmãos que, de armas em punho, lutam pela lei, pela ordem, pela grandesa de S. Paulo e glória do Brasil.” 
 
Emocionante foi a manifestação que o povo iguapense prestou aos bravos soldados da Força Pública que compunham os destacamentos da cidade por ocasião do seu embarque com destino à zona de operações. Grande massa popular acompanhou, vivando delirantemente, os soldados de São Paulo, que garbosamente desfilaram pelas ruas da nossa cidade rumo ao porto de embarque. Lá chegados, usou da palavra o advogado Dr. Cyrillo Freite, que, em frases candentes, saudou aquele grupo de patriotas que seguia para o campo de luta em defesa da causa de São Paulo, “que é o supremo ideal dos brasileiros – a imediata reconstitucionalização do paiz”. 

As últimas palavras do orador foram abafadas por estrondosa salva de palmas, sendo erguidos muitos “vivas” a São Paulo, à Constituinte e à tropa da milicia paulista. Senhoritas iguapenses, num gesto que deixou transparecer o patriotismo e a fé religiosa da mulher brasileira, pregaram à túnica dos milicianos medalhas com a efigie do Bom Jesus de Iguape. Os soldados constitucionalistas receberam essa demonstração de carinho da mulher iguapense, com funda emoção e vivo desvanecimento.

Externando os sentimentos da tropa que partia, falou o cabo comandante do destacamento de Cananeia, sendo muito aplaudido. Em seguida, procedeu-se o embarque sob delirantes aclamações dos populares e orações, que só terminaram quando o navio que os conduzia, singrando as águas do Valo Grande, desapareceu à distância.
 

UNIÃO POR SÃO PAULO
O Partido Democrático de Iguape lançou um manifesto hipotecando apoio ao movimento de São Paulo e concitando aos seus correligionários e demais pessoas a se unirem na “causa santa, que é a causa do Brasil, dentro da lei e da liberdade”.

Também foi realizada reunião, no Paço Municipal, entre os líderes do Partido Democrático e Partido Republicano Paulista, quando se decidiu pela criação de uma Frente Única política no município. A ata foi lavrada pelo Dr. Cyrillo Freire. “Dessa forma, a exemplo do que se vem praticando em todo o Estado, os políticos locaes, num gesto nobre e eminentemente patriótico, esquecendo velhas dissenções e quiçá rancores pessoaes, irmanaram-se, estabelecendo a unificação das correntes partidárias aqui existentes, para melhor cooperarem em pról da victoria da causa constitucionalista, que São Paulo pelo seu povo e seus soldados hoje defende de armas na mão.”

O prefeito de Iguape, capitão Floramante Regino Giglio, tão logo estourou o movimento constitucionalista, recebeu contínuos protestos de solidariedade, recebendo em seu gabinete uma comissão formada pelos cidadãos José de Sant´Anna Ferreira, Antônio Ribeiro Collaço, Augusto Mesquita de Carvalho, Isdêmolo Manfredi, Bento Pereira da Rocha, Hermelino França Júnior, Waldemiro Athayde, Onofre Sant´Anna Ferreira, Francisco Giani, Dr. Paulo Barreiros, Joaquim Sant´Anna de Moraes e Antônio Plácido Barbosa, que oferecem seus serviços ao município. Esses cidadãos se inscreveram na Guarda Municipal, a cargo da qual ficou todo o serviço de policiamento da cidade.

A Prefeitura Municipal, “no louvável intuito de proporcionar facilidades á população”, tomou medidas junto ao comércio para que fossem mantidos os preços dos gêneros de primeira necessidade. Tais providencias também foram adotadas em relação aos distritos iguapenses de Registro, Juquiá, Prainha (Miracatu) e Alecrim (Pedro de Toledo).

GRANDE COMÍCIO
No dia 17 de julho, domingo, houve um grande comício, em prol do movimento constitucionalista, promovido pelo advogado Dr. Cyrillo Freire. Ele explicou a finalidade do movimento que estava empolgado o Estado de São Paulo e a Nação, tecendo palavras de louvor “aos pioneiros da causa santa que São Paulo, pelos seus filhos, defende galhardamente”. Incentivou o povo a formar um batalhão para entrar na luta, seguindo o exemplo do que se verificava no resto do Estado.
Em seguida, discursou o coronel Félix Biallé, que exortou a mocidade iguapense a se unir e, dessa forma, cooperar com “a sua acção decidida na campanha que vem se iniciar-se pela constitucionalisação do paiz”.
Na sequência, discursou o sargento José Nogueira, sargento reservista do Exército, dizendo que, se entre os presentes houvesse alguém que o quisesse acompanhar, que se manifestasse imediatamente. Diversos rapazes se alinharam ao lado do sargento. Ouviu-se uma frenética ovação que aplaudiu o gesto corajoso dos jovens.
O Dr. Cyrillo Freire usou novamente da palavra dizendo da surpresa que lhe causou a demonstração do “inegável patriotismo da mocidade iguapense ali representada por aquelles bravos rapazes”. Organizou, por fim, uma passeata que percorreu as ruas da cidade, tendo à frente os voluntários e autoridades locais.

O CAMPO DE AVIAÇÃO
Em meados de julho, foram iniciados os trabalhos para a abertura de um campo de aviação em Iguape. Em 31 de julho, o prefeito Floramante comunicava aos poderes competentes a conclusão desse campo. Além de homens adultos, participaram também da construção, voluntariamente, senhoritas e até crianças.
O campo foi construído conforme orientações recebidas. Devido ao terreno escolhido para o campo de aviação ser todo recoberto por mata virgem, foram necessários 12 dias de trabalho para ser ultimado. Seu comprimento era de 480 metros por 50 de largura. O jornal “A Gazeta”, de São Paulo (nº 7.944, de 22/7/1932), destacou o trabalho do povo de Iguape pela causa da constitucionalização do País:

“Unido, o povo de Iguape está trabalhando pela causa da constitucionalização do paiz. É grande, naquella cidade, a confiança do povo pela victoria das nossas forças. Alli, nos serviços de construcção de um campo de aviação trabalharam, offerecendo-se para isso, expontaneamente, 150 homens que foram auxiliados por 130 alumnos no Grupo Escolar. O campo mede 600 metros por 50. O batalhão ´Voluntarios Filhos de Iguape´ já conta com bom numero de alistados e está sendo instruido por um sargento reservista. Os funccionarios da policia civil e cidadãos de destaque social policiam a cidade, empenhando-se na manutenção da ordem publica. Senhoras da sociedade de Iguape angariam donativos para as familias dos soldados pobres.”

A COMISSÃO MUNICIPAL
No dia 23 de julho, foi criada a Comissão da Guarda Paulista do MMDC, ou Comissão Municipal, como era conhecida, constituída pela Frente Única Paulista no Município, cujo propósito era trabalhar pela organização dos batalhões civis que deveriam permanecer de prontidão, aguardando o momento de entrar em combate. Essa comissão era formada por destacados cidadãos da época: o prefeito de Iguape, capitão Floramante Regino Giglio, Luiz Gonzaga Muniz, Paulo Barreiros, Álvaro Martins de Freitas e Hermelino França Júnior. Foram também criadas comissões idênticas nas subprefeituras dos então distritos iguapenses (hoje emancipados): Registro, Juquiá, Miracatu e Pedro de Toledo.

Essa comissão, apelando ao patriotismo das mães iguapenses, pedia que elas autorizassem seus filhos a se empenharem na luta “pela honra de São Paulo e do Brasil”. Segundo os inflamados slogans da comissão, o momento era de ação: “São Paulo é um só homem, um só pensamento. Levantou-se o Brasil em armas desde as chapadas do Amazonas às coxilhas do Rio Grande!” Cartazes com os dizeres – “Às armas! Viva Iguape! Viva São Paulo! Viva o Brasil uno e varonil!” – eram afixados por toda a cidade.  Iguape fervilhava. A emoção, o amor à Pátria, e em especial ao Estado de São Paulo, eram bradados aos quatro cantos.

Foram também nomeadas subcomissões distritais: para Registro, Manoel Honório Fortes e Luiz Pires; Juquiá, Uriel Marques e João Adorno Vassão; Miracatu, coronel Diogo Martins Ribeiro Júnior e Roldão Constâncio Ferreira; e Pedro de Toledo, Joaquim Fernandes e J. Regino Vasconcelos. Essas subcomissões, de acordo com as instruções da Comissão Municipal de Iguape, teriam a colaboração dos subprefeitos dos respectivos distritos.

Também em obediência às instruções oriundas do Governo do Estado, foi organizada na cidade uma Comissão Municipal de Alistamento dos Voluntários para a Guarda Paulista. A comissão foi composta por representantes dos partidos Democrático e Republicano Paulista, entre os quais, Dr. Paulo Barreiros, Álvaro Martins de Freitas, Luiz Gonzaga Muniz e Hermelino França Júnior, e funcionava numa sala do Paço Municipal.
Para a defesa do Litoral Sul, o Governo do Estado enviou a Iguape o major Henrique Franzoi, tendo como ajudante de ordem o tenente Gutermayer, que seguiu para Cananeia afim de inspecionar as fronteiras com o Estado do Paraná e, em sendo o caso, preparar as linhas defensivas para salvaguardar o solo paulista de qualquer invasão de tropas federais.
Por determinação do Governo do Estado, foi expressamente proibida a saída, do Estado de qualquer quantidade de veículos, materiais, gêneros alimentícios, combustíveis, gasolina e quaisquer outras espécies de produtos ou objetos. No caso de não cumprimento, a Prefeitura procederia à respectiva apreensão.