Enquanto bolsonaristas provocavam desordem em várias partes do País e se concentravam diante de quartéis para exigir intervenção militar, tudo sob as bênçãos do ainda presidente da República, Jair Bolsonaro, a transição de governo começava sem nenhum sobressalto. Isto é, enquanto os golpistas, liderados pelo sr. Bolsonaro, demonstravam explicitamente seu inconformismo com a soberana decisão dos eleitores, como fazem crianças birrentas quando são contrariadas, os adultos deram início às negociações políticas com vistas a virar a página e seguir adiante.
A rigor, numa democracia, as articulações para a transição de poder são um acontecimento natural e corriqueiro. O governante que acaba o mandato e o governante que se prepara para iniciar o seu trabalham conjuntamente na troca responsável de governo. É uma etapa prevista na legislação, mas acima de tudo é cuidado com o interesse público. A passagem de bastão na máquina pública, especialmente no âmbito federal, demanda planejamento e profissionalismo.
No entanto, com o sr. Bolsonaro, mesmo os temas institucionais mais triviais adquirem sempre uma nova dinâmica, com incertezas, inseguranças e atritos. Por isso, por mais que tenha havido algumas movimentações um tanto esquisitas e absolutamente contrárias ao espírito democrático, esta semana, com o início da transição, propiciou alívio ao País. Na sexta-feira, o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, formalizou a nomeação de Geraldo Alckmin como coordenador da equipe de transição do petista Lula da Silva, o presidente eleito.
Ainda tudo é muito recente e é preciso acompanhar de perto, sem ingenuidade, mas é inegável, por exemplo, que a entrevista concedida pelo vice-presidente eleito no Palácio do Planalto, na quinta-feira passada, representou uma lufada de maturidade e de serenidade que havia muito não se via no País. Ao longo dos últimos quatro anos, Bolsonaro valeu-se de todas as ocasiões para criar polêmica, para tensionar o ambiente, para instigar os adversários, quase sempre num linguajar truculento.
Questionado se, em sua opinião, Bolsonaro tinha responsabilidade pelos bloqueios e manifestações golpistas que estavam ocorrendo no País, por ter demorado a se pronunciar sobre o resultado das eleições, Alckmin, referindo-se ao discurso de Lula ao ser anunciado como vencedor, respondeu: “Nossa tarefa é unir o Brasil, é trabalhar, é ter uma agenda de propostas, é melhorar a vida da população e bola para frente. A transição começou. Agora é fazê-la da melhor maneira possível, em benefício da população, pautada no interesse público”.
Certamente essas palavras precisarão ser lembradas muitas vezes. Afinal, não bastam palavras. São necessárias atitudes responsáveis e, como bem se sabe, o PT tem um alentado histórico de irresponsabilidade. De toda forma, é de justiça reconhecer: neste momento, o País precisa exatamente do que o vice-presidente eleito falou.
Desde 2019, os bolsonaristas se esforçaram em relevar os atritos e as tensões criados por seu líder dizendo que eram apenas maus modos. Segundo essa versão, seria apenas e tão somente uma espontaneidade excessiva, que ocasionava, segundo o próprio presidente, “algumas caneladas” em seus adversários. No entanto, a julgar pela frequência e pela insistência das agressões, pode-se concluir que nunca foi mera espontaneidade. Era, na verdade, o método bolsonarista de não governar, de desviar a atenção dos problemas reais, de gerar engajamento entre os apoiadores.
Por contraste, a atitude de Alckmin evidencia a importância de ter “adultos na sala” quando é hora de dialogar e negociar. Crianças mimadas não fazem boa política, pois esta pressupõe serenidade e capacidade de fazer concessões. Quando Alckmin, provocado por um jornalista, evitou apontar Bolsonaro como responsável pelas manifestações golpistas País afora, sinalizou efetiva disposição de fazer o Brasil focar nos assuntos que realmente importam aos cidadãos – e apostando que, em algum momento, os garotos birrentos, sem conseguirem chamar a atenção, vão acabar cansando de choramingar.