Durante audiência pública na Comissão de Infraestrutura (CI), nesta terça-feira (18), senadores e especialistas defenderam que o Brasil priorize ações estratégicas para o desenvolvimento de uma indústria de processamento mineral, com foco na exploração de lítio, agregando valor para a produção interna de baterias e componentes. Os participantes destacaram o grande potencial competitivo do país, já que é o único produtor de “lítio verde” no mundo e concentra uma das maiores reservas do mineral, com 1 milhão de toneladas. A audiência atendeu requerimento do senador Esperidião Amin (PP-SC).
Atualmente, há uma demanda crescente no mundo por minerais críticos, que são aqueles essenciais para a obtenção de energia por fontes renováveis e na aplicação de tecnologias limpas, a exemplo das baterias de lítio. Elas são utilizadas em dispositivos como notebooks, celulares, drones, câmeras fotográficas e veículos elétricos, e por isso o lítio é popularmente chamado de “ouro branco”.
A expectativa da Agência Internacional de Energia (IEA, sigla em inglês) é que a demanda por minérios críticos cresça até três vezes e meia até 2030. Os minérios críticos são aqueles de alta relevância para uma indústria, e onde o fornecimento do material enfrenta um alto risco de restrição. Entre eles estão: o lítio, o cobre, o níquel, o cobalto, os elementos de terras raras e o grafite.
O diretor do Departamento de Transformação e Tecnologia Mineral, do Ministério de Minas e Energia, Rodrigo Toledo Cabral Cota, disse que o Brasil tem um papel extremamente relevante para o mundo na oferta do lítio, mas também em relação a outros minerais críticos fundamentais para a produção de baterias.
Para ele, a alta quantidade de reserva de lítio (ainda não exploradas) e de produção (já em exploração) do Brasil abre uma janela de oportunidades para colocar o país na liderança não apenas da retirada do minério e fornecimento ao mercado internacional, mas como alternativa à China na fase do processamento. Uma etapa da cadeia que agrega valor e, segundo o secretário, vai permitir que o Brasil se coloque de forma estratégica no fornecimento de baterias.
— Além da gente extrair, produzir e exportar esses minérios, a gente tem uma janela de oportunidade para produzir os insumos das baterias que se obtém a partir da transformação desses minerais, desse processamento de minerais. Que é justamente o carbonato de lítio, o hidróxido de lítio, o sulfato de níquel e por aí vai. A lâmina de cobre na espessura necessária para fazer a bateria. A gente ainda tem indústria para fazer essa linha de cobre, precisamos dar esse salto tecnológico.
Quase todo o processamento desses minerais críticos hoje é feito na China e o seu valor de mercado, conforme projeções da IEA, mais do que dobrará chegando a US$ 770 bilhões (R$ 4,18 trilhões) até 2040. Hoje esse mercado é de US$ 325 bilhões (R$ 1,76 trilhão). De acordo com o Ministério de Minas e Energia, em 2023, o Brasil exportou US$ 4,2 bilhões (R$ 22,8 bilhões) destes minerais, sendo US$ 3,4 bilhões (R$ 18,4 bilhões) só de cobre. Rodrigo Toledo Cota apontou que a exploração de lítio ainda é uma novidade no mundo e especialmente no Brasil, e que sua descoberta e mapeamento por aqui ainda está fazendo uma “curva de avanço”.
Na avaliação do senador Esperidião Amin, além de focar em estrutura e tecnologia para exploração da matéria prima, o Brasil precisa investir em estudos e aplicação de mais recursos na sua capacidade tecnológica e na profissionalização da mão de obra para esse processamento.
— Esse é um capítulo que se abre para nós. Que é exportar matéria-prima, que exige a primeira parte da pesquisa, mas o mais importante é trabalhar a matéria-prima e industrializar. Isso que seria o grande objetivo do Brasil — disse Esperidião Amin ao questionar cota sobre as expectativas de novos territórios a serem explorados no Brasil. Hoje, há atividades de exploração no Vale do Jequitinhonha, em Mina Gerais, e no Ceará.
Em resposta, o secretário informou que o Brasil ainda pode aumentar seu potencial de produção por ainda ter previsões de muitas reservas ainda não identificadas e exploradas.
— Eu tenho muita segurança, até pelo o que o serviço geológico nos passa, é que novas descobertas de novos depósitos serão feitos e que essa reserva vai ampliar. E quanto maior a nossa reserva, teremos mais capacidade de produzir que é justamente extrair esses minerais do solo.
Ele ainda informou que o governo está trabalhando com dois objetivos em relação à exploração do lítio: reforço ao apoio para ampliar a exploração viável e a oferta do lítio e desenvolver uma indústria de processamento mineral.
A vice-presidente de Relações e Comunicação Institucional e Governamental da Sigma Lithium (empresa canadense que realiza exploração e processamento de lítio no Vale do Jequitinhonha há 12 anos), Lígia Pinto,disse que o Brasil sai na dianteira por ser o único país do mundo que oferece no mercado o lítio verde, que tem sua matriz sustentável e por seguir todos os parâmetros ambientais e de desenvolvimento social nos locais de exploração do minério. Segundo ela, tem o padrão triplo zero: sem carbono, rejeitos e químicos nocivos. A empresa é responsável por praticamente toda exploração e processamento do minério no país, com 270 mil toneladas por ano.
— Que faz esse processamento do lítio de forma granular, diferente dos outros do mundo inteiro. O nosso é granular, o nosso não leva nenhum ácido, nenhum químico nocivo na sua produção, é o único no mundo, é carbono zero, é por meio desse deslocamento da rocha que nós produzimos o lítio, ele não é amassado, como o usual do mercado.
Com R$ 3 bilhões em investimento no Vale do Jequitinhonha, a empresa não apenas extrai o lítio como montou toda cadeia de processamento do minério. Pinto informou que a empresa ainda busca parcerias para desenvolver projetos que aproveitem os rejeitos para produção de subprodutos, como pilhas. Atualmente esses rejeitos são vendidos.
Diante da informação sobre a exploração sustentável, Esperidião Amin apontou como necessário o reconhecimento dessa prática a nível internacional, com a criação de um certificado pelo governo federal. Para ele, a produção baseada em práticas sustentáveis dará um ganho de competitividade às mineradoras instaladas no país.
— Acho que nós temos, o governo, o Ministério de Minas e Energia; de Ciência e Tecnologia; têm que certificar certificadoras. Para dar a certificação de um processo de vocês (Sigma Lithium) um grau de excelência que quantos outros países têm? Nenhum outro país tem (…) Se a qualidade da água, por exemplo, pós-uso, não é contaminada, o rio não é prejudicado, se o processo é limpo, vamos certificar isso, o nosso lítio vale mais, em termos econômicos, é isso.
Jaime Bagattoli (PL-RO) lembrou que o Brasil registrou um “crescimento astronômico” de 1% para 8% de reservas de lítio, de 2018 para os dias de hoje. Mas apontou críticas em relação à não certificação do lítio verde pelo próprio país. Na visão dele, o Brasil precisa desenvolver mecanismos para divulgação internacional das iniciativas de sustentabilidade que podem colocá-lo como referência no assunto.
— Nós somos o único país que trabalhamos contra nós mesmos — lamentou.
Para Zequinha Marinho (Podemos-PA), é preciso construir uma política de Estado para o desenvolvimento dessa cadeia tecnológica, agregando valor a essa produção.
— Essa nossa cultura de exportar matéria-prima para depois comprar produto acabado, isso é triste para a gente. Por exemplo, nós somos o país do agronegócio e dependemos, o NPK [fertilizantes com composição de nutrientes essenciais para o crescimento saudável das plantas] todinho, praticamente todo, nós temos que importar. Isso é uma doença que precisa ser curada na mente dos governantes brasileiros, que a gente não faça a mesma coisa com o lítio.
A coordenadora de Inovação em Tecnologias Setoriais, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, Tássia de Melo Arraes, informou que o governo tem direcionado investimentos, por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) com o intuito de estimular projetos e estudos que desenvolvam tecnologias para ampliar os mecanismos de obtenção dos graus compostos da bateria a partir dos minérios nacionais.
— No início de 2024, foram lançadas mais 11 chamadas públicas em recursos não reembolsáveis para empresas e CTs [Centros Tecnológicos] no total de R$ 2,18 bilhões dentro do Programa Mais Inovação, da Finep. São chamadas, em sua grande maioria, de fluxo contínuo onde destaco aqui a chamada para mobilidade urbana, com R$ 120 milhões e a chamada de energias renováveis de R$ 250 milhões.
Dentro desses programas, inseridos na nova política de desenvolvimento industrial elaborado pelo governo federal, estão investimentos em projetos relacionados ao lítio para armazenamento de energia e na propulsão de veículos elétricos e híbridos elétricos com bateria que estimulem a produção e uso de minerais estratégicos.