O mandado de segurança impetrado pelo vereador Rodrigo Mendes contra atos abusivos praticados pelo Presidente da Câmara dos Vereadores de Pariquera-Açu, Vereador Delmar Simões, e pela Mesa Diretora da Câmara Municipal foi julgado como procedente pelo Juiz de Direito.
Com isso, os votos proferidos pelos vereadores Delmar Simões e Urias Teixeira nas duas votações sobre o recebimento das denúncias, deverão ser anulados e deverá "a Câmara dos Vereadores, na próxima sessão legislativa após a intimação desta sentença, providenciar a recontagem dos votos sem considerar os proferidos pelos dois vereadores mencionados e em seguida proferir o resultado consequente."
O que diz o parecer na íntegra:
Trata-se de mandado de segurança impetrado por Rodrigo Claudionor Mendes contra atos abusivos praticados pelo Presidente da Câmara dos Vereadores de Pariquera-Açu, Vereador Delmar Simões, e pela Mesa Diretora da Câmara Municipal.
De acordo com a inicial, o impetrante, que é vereador do município, apresentou denúncias contra os vereadores Urias Teixeira e Delmar Simões, imputando-lhes atos incompatíveis com o decoro parlamentar, consistentes em extorsão para obtenção de vantagemilícita.
Ocorre que o procedimento legal previsto para recebimento das denúncias não foi obedecido, pois violou o disposto na Resolução n. 1/2022, no Decreto-Lei n. 201/67, no Regimento Interno e, principalmente, a Lei Orgânica do Município.
As duas denúncias foram lidas e colocadas em votação separadamente na sessão plenária do dia 30/05/2022. Porém, violando o processo legislativo previsto, os dois vereadores acusados votaram, mesmo impedidos, prejudicando assim o resultado, qual seja o não recebimento das denúncias.
O impetrante alega que o processo legislativo de recebimento das denúncias foi violado, pois os vereadores acusados não poderiam votar e prejudicaram o resultado do procedimento. Desse modo, requereu a concessão da ordem de segurança para que sejam anuladas as votações.
A Câmara dos Vereadores prestou informações (fls. 248/256) aduzindo a excepcionalidade de interferência do poder judiciário nos atos legislativos; ausência de direito líquido e certo do impetrante, ante a ausência de ato abusivo; inexistência de ilegalidade no procedimento legislativo impugnado.
Em seguida o Ministério Público apresentou parecer (fls. 260/265) pela concessão da ordem de segurança.
Eis o relatório do necessário.
Fundamento e decido.
A questão controvertida diz respeito à violação do processo de votação ocorrido no dia 30 de maio de 2022 na Câmara Municipal de Pariquera-Açu para decisão sobre o recebimento de duas denúncias apresentadas pelo vereador Rodrigo Mendes em face dos vereadores Delmar Simões e Urias Teixeira.
Cumpre ressaltar inicialmente que o impetrante é parte legítima para propor a ação constitucional, uma vez que o devido processo legislativo está inserido no rol dos direitos pelos quais os membros do poder legislativos podem pleitear a observância.
Tratando-se então de conflito a respeito do devido processo legislativo, a discussão judicial não implica em interferência indevida do poder judiciário sobre o poder legislativo, uma vez que a discussão diz respeito ao princípio da legalidade, o qual impera sobre todos, cabendo ao judiciário julgar eventual violação.
Constata-se que as duas votações impugnadas não obedeceram o devido processo legal e violaram as determinações legais que regem o processo legislativo atinente ao caso.
Extrai-se do entendimento defendido pela Câmara dos Vereadores nas informações prestadas de que o impedimento de voto recai apenas sobre o vereador denunciante e que há previsão expressa no Regimento Interno sobre a obrigatoriedade do voto do Presidente nos casos em que a matéria exija quórum por maioria absoluta.
Ainda que haja discussão a respeito do quórum a ser considerado para a votação, infere-se que a câmara adotou comportamento contraditório ao avalizar a participação dos vereadores denunciados com base no Regimento Interno, enquanto esse mesmo regramento expressamente vedaria o voto dos envolvidos.
Conforme ressaltado pelo impetrante e pelo Ministério Público:
"Ademais, além de votar em uma deliberação do plenário em que o voto não lhe era atribuído por lei, o Presidente da Câmara e o Vereador Professor Urias Geneton Reobe de Souza Teixeira são legalmente impedidos de votar, já que são os denunciados e maiores interessados na rejeição das denúncias, conforme veremos a seguir. As denúncias apresentadas pelo impetrante relatam ilegalidades cometidas pelo Presidente da Câmara vereador Delmar Simões e pelo vereador Urias Geneton Reobe de Souza Teixeira, ficando evidente o interesse destes na rejeição da denúncia, não tendo, portanto, o direito de voto neste caso, conforme prevê o art. 102 do Regimento Interno da Câmara Municipal de PariqueraAçú:(..)"
"Com efeito, tratando ambas as denúncias de quebra de decoro parlamentar, há vedação legal sobre o exercício do direito do voto pelos parlamentares diretamente envolvidos, consoante se extrai do artigo 102, III, da Resolução n. 07/1996: Art. 102 São deveres do Vereador: (...) III - votar as proposições submetidas à deliberação da Câmara, salvo quando tiver, ele próprio ou parente afim ou consanguíneo até o 2º grau inclusive, interesse manifesto na deliberação, sob pena de nulidade da votação quando seu voto for decisivo; (g.n.) Havendo interesse direto e pessoal dos vereadores denunciados, é certo que cada qual não poderia ter participado da votação na análise do recebimento das respectivas denúncias, havendo, frise-se, expresso impedimento legal."
Por conseguinte, o mesmo Regimento Interno que a Câmara dos Vereadores utilizou para embasar a legalidade dos votos dos vereadores envolvidos possui norma expressa e clara dizendo que "é dever do vereador não votar em deliberação da câmara quando tiver interesse manifesto."
Se os vereadores Delmar Simões e Urias Teixeira eram os denunciados, fica evidente o interesse manifesto de ambos pelo não recebimento da denúncia, tanto é que assim votaram.
Mais uma vez é preciso ressaltar que o Poder Legislativo está vinculado ao devido processo legal, o qual é concretizado mediante o cumprimento das normas. Se o Regimento Interno da casa veda a votação dos vereadores envolvidos, não se trata de mera recomendação ou opção a ser aventada, mas sim norma válida e obrigatória.
Diante da violação ao devido processo legislativo e o fato da ilegalidade ter influenciado no procedimento, de rigor a concessão da segurança.
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado neste mandado de segurança para conceder a ordem de segurança e anular os votos proferidos pelos vereadores Delmar Simões e Urias Teixeira nas duas votações sobre o recebimento das denúncias, devendo a Câmara dos Vereadores, na próxima sessão legislativa após a intimação desta sentença, providenciar a recontagem dos votos sem considerar os proferidos pelos dois
vereadores mencionados e em seguida proferir o resultado consequente.
Honorários são incabíveis na espécie, conforme artigo 25, da lei nº 12.016/2009.
Publique-se. Intime-se.
Pariquera-Açu, 21 de julho de 2022.