O presidente Luiz Inácio Lula da Silva minimizou as mudanças em atribuições de dois de seus ministérios aprovadas por uma comissão do Congresso Nacional que analisa a Medida Provisória (MP) que definiu a estrutura administrativa do seu governo. Em discurso durante evento do dia nacional da indústria promovido pela Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), na capital paulista, nesta quinta-feira (25), ele assegurou que há prazo para negociar as modificações.
“Quando eu li a imprensa [hoje], a impressão que eu tive era que o mundo tinha acabado. 'Lula foi derrotado pelo Congresso, acaba-se ministério disso, acaba-se ministério daquilo'. Eu fui ler e o que estava acontecendo era a coisa mais normal”, comentou o presidente
Na noite de quarta-feira (24), a Comissão Mista do Congresso Nacional aprovou o relatório do deputado Isnaldo Bulhões Jr (MDB-AL) sobre a estrutura do governo com a retirada de diversas funções do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e também do Ministério dos Povos Indígenas (MPI).
O presidente prosseguiu com um tom paciente. “Até então, a gente estava mandando a visão de governo que nós queríamos. A comissão, no Congresso Nacional, resolveu mexer, coisa que é quase impossível de mexer, na estrutura de governo, que é o governo que faz. E, agora, começou o jogo”, disse.
“Vamos jogar, vamos conversar com o Congresso e vamos fazer a governança do que a gente precisa fazer. O que a gente não pode é se assustar com a política. Eu vou repetir, toda vez que a sociedade se assusta com a política, ela começa a culpar a classe política, o resultado é infinitamente pior”, prosseguiu, reforçando que vai atuar para evitar que as alterações sejam definitivas. O relatório de Bulhões ainda precisa ser aprovado em plenário.
A MP precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional até o dia 1º de junho, para não perder a validade. Mesmo que a mudanças feitas pelo relator, Isnaldo Bulhões (MDB-AL), sejam mantidas, Lula ainda terá a possibilidade de vetar trechos da MP. Caso isso ocorra, os vetos deverão ser confirmados posteriormente pelo Congresso.
“Nós já tivemos lições, e é importante a gente lembrar: por pior que seja a política, é nela e com ela que tem as soluções dos bons, dos grandes e dos pequenos problemas desse país”, enfatizou o presidente em discurso a líderes empresariais sobre o assunto.
Entre as mudanças no Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o relatório aprovado tira da pasta a Agência Nacional de Águas (ANA), passando a supervisão do órgão ao Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Já o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um cadastro eletrônico obrigatório a todas as propriedades e posses rurais, passa a ser vinculado ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.
O relatório ainda retira da competência do ministério o Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa), o Sistema Nacional de Informações sobre a Gestão dos Resíduos Sólidos (Sinir) e o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). Os três sistemas serão de responsabilidade do Ministério das Cidades.
O relatório votado na noite de quarta-feira (24) também retirou do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) sua principal atribuição, a de demarcar terras de povos originários, devolvendo-o à pasta da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, afirmou nesta quinta-feira que o governo federal vai continuar a dialogar para impedir a retirada de atribuições da pasta.
“No caso do marco temporal (das terras indígenas) e das mudanças que o relator está propondo na matéria, ainda não foi feita a votação final no plenário da Casa. Então, vamos continuar dialogando até o momento da decisão final que é do plenário. Ainda temos até terça-feira (30) para dar continuidade aos diálogos e, obviamente, que o diálogo interno do governo está acontecendo”, explicou.
Em nota oficial, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, adotou um tom mais crítico contra as alterações na pasta, que praticamente esvaziam suas atribuições.
“Todo mundo lembra da campanha do presidente Lula que trouxe a pauta indígena para o centro de sua campanha eleitoral, assumindo o compromisso de retomar os processos de demarcação das terras indígenas. Foi nesta perspectiva que foi criado o Ministério dos Povos Indígenas. E agora nós vemos este Congresso promovendo um verdadeiro ataque a este ministério, num país que levou 523 anos para reconhecer a importância dos povos indígenas e menos de cinco meses para tentar nos calar e tutelar novamente”, declarou.
A pasta ainda argumentou que dados apontam que a demarcação de terras indígenas é a medida do governo federal mais aprovada pela população brasileira, com 65% de apoio na sociedade, segundo pesquisas de opinião.
Na manhã desta sexta-feira (26), Lula se reunirá com Marina Silva e Sônia Guajajara no Palácio do Planalto, para analisar a situação dos dois ministérios e definir as estratégias para reverter as mudanças. O encontro, segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), está marcado para as 11h.
Também em nota, o Observatório do Clima criticou o que considerou uma postura pouco combativa do governo federal para tentar evitar mudanças em sua própria estrutura administrativa.
“O movimento espanta pouco num Congresso dominado pelo combo ruralistas-extrema-direita, que desde o começo do ano vem tentando fazer passar todas as boiadas que o bolsonarismo não conseguiu. O que chama atenção é que o governo Lula sequer fingiu indignação ao descobrir que não manda nem na organização dos próprios ministérios”.
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi), com forte atuação na agenda indígena, foi na mesma linha ao criticar a postura do Poder Legislativo e a ameaça às populações tradicionais.
“Além da tentativa de subalternizar o Poder Executivo com essas manobras abusivas, os parlamentares fulminam setores muito sensíveis do governo, em especial aqueles conduzidos por duas mulheres que têm relação imediata com a cultura ribeirinha, ambiental, indígena e camponesa. É um sinal sonoro do açoite ideológico e econômico imposto às pautas dos povos, seus direitos constitucionais e suas mais diversas culturas”, disse e entidade.
Além de avançar na MP da estrutura do Executivo, a Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira a urgência na tramitação do Projeto de Lei (PL) 490/2007, que institucionaliza a tese do marco temporal. A tese é rechaçada por movimentos sociais porque estabelece que serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por povos tradicionais até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.
A Carta Magna, no entanto, não prevê esse marco como critério, já que indígenas são povos originários que estão presentes no país muito antes da colonização europeia. Atualmente, o tema também é objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que vai decidir, ainda esse ano, se a tese do marco temporal é válida ou não. E é por isso que o Congresso tenta se antecipar como forma de esvaziar a decisão do STF no caso.